terça-feira, 13 de abril de 2010

A porta que queria ser feliz!

Olá a todos!
Como todos podem ver sou uma cadeira. Aquilo que todos tomam como um objecto inanimado, deprimente, sem emoções, pensamentos ou qualquer reacção. Aquilo que todos, rapidamente, conseguem abandonar sem o mínimo de remorso, para o monte a que vocês, comuns mortais, consideram lixo.

Pois aviso já: existe mais sentimento no mundo do que aquilo que vocês conseguem ver, ou sequer imaginar.

E agora, neste momento, eu sou feliz. Independentemente dos vossos olhares de desmérito e descrença, eu sou feliz!

Mas nem sempre assim foi.

Tive alturas difíceis na minha existência, como de certeza já todos aí tiveram. Mas, os nossos problemas, exactamente por serem nossos, são sentidos de forma diferente. Podem vir todos os males do mundo, que o que nos magoa vai magoar sempre, independentemente do mundo à nossa volta estar a desabar.

Sofri uma mudança tremenda na minha vida. Não havia nada na minha vida que me desse prazer.

Mas vou contar do inicio, de forma a que todos percebam.

Já fui uma porta. Apesar de não me sentir bem naquela pele, foi assim que nasci. Mas sempre me senti diferente de todas as portas que me rodeavam.

Era uma porta bonita, eu sei. Todos em meu redor mo diziam. No entanto, isso não diminuía a minha frustração e infelicidade incompreendida. Nem eu mesma compreendia a minha infelicidade. Como poderia pedir que os outros a compreendessem?

Até que o tempo foi passando e fui sempre falando com mais cadeiras, afeiçoando-me a elas de uma forma tão especial que chegava a desejar, ainda que secretamente, ser como elas.

Mas esse facto causava-me quase tanta infelicidade como antes. Mas esta infelicidade eu percebia: era medo de desejar semelhante coisa, medo de aceitar que, em tudo o que me era mais íntimo, eu ansiava com todas as minhas forças ser uma cadeira.

Até que me fui aproximando cada vez mais a uma cadeira muito especial, que me fez ver que não havia nada melhor do que nos sentirmos bem connosco próprios, que se eu não me sentia bem como era teria que fazer tudo, mas mesmo tudo o que estivesse ao meu alcance para a alterar.

A minha vida mudou por completo após essa conversa, que não durou mais do que quinze minutos.

Estava disposta a ser feliz a todo o custo.

Sabia que teria que me despedir da maior parte do meu corpo, mas tinha a perfeita noção que a minha matéria-prima, a minha alma, a minha personalidade, a minha paixão pelas coisas, se manteria intacta e é só isso que importa.

Pedi ajuda. Falei com os meus pais e amigos mais próximos. Não tinha um grupo muito grande de amigos, mas, após esta importante decisão, sobraram três. Os meus pais, a inicio não entenderam: sabiam que eu tinha tido uma infância diferente e atribulada, mas não percebiam porquê a imensa vontade de ser uma cadeira.

Expliquei que estava farta de ser empurrada, de que me deixassem entreaberta, ser esquecida e ignorada a partir do momento em que passam por mim, que tantas e tantas vezes me abrissem com os pés ou me batessem com força. Sabia que ser porta também tinha coisas boas, mas não superavam as coisas más de ser uma cadeira: de ser usada para conforto das pessoas, onde elas se sentam para fazerem coisas realmente importantes nas suas vidas (comer, conversar, descansar…) e poder partilhar directamente esses pormenores importantes das suas vidas.

Eles acabaram por concordar e me ajudar na minha tão premeditada mudança.

Não foi fácil, confesso.

As dores sentidas aquando da primeira mudança foram terríveis. Partiram cada bocadinho das minhas laterais, enquanto eu me contorcia de dores. No entanto, ainda era uma porta. Agora, um tanto ou quanto desfigurada; mas sempre com a perfeita consciência de que aquilo era uma passagem pela qual era importantíssimo passar para que a transformação fizesse realmente sentido.

Passado um mês perdi a minha maçaneta prateada e a minha fechadura. Foi o dia mais importante da minha vida!

Depois disso, todos os dias era-me retirada uma lasca enorme de madeira e moldada noutro sítio. As dores eram horripilantes, mas se vos disser que, a cada guinada de dor, eu lançava um sorriso, será que acreditam? Podem acreditar, porque é a mais fiel das verdades.

Após um ano, o meu encosto já era visível. Perdi a imponência da grandeza, da rudeza, da agressividade de uma porta para obter a fragilidade, a comodidade de uma pequena cadeira.

Ainda não me conseguia ter de pé, mas cada dia eu era mais e mais feliz.

Finalmente, a ultima mudança: as minhas quatro pernas.

EU ERA FINALMENTE UMA CADEIRA!!!

Nasci naquele momento e se, naquele momento tivesse morrido, morreria realizada.

Agora, só queria que se sentassem em mim, sentir o recostar de costas de alguém no meu encosto, sentir o calor de um braço humano nos meus braços.

E assim, aconteceu. Um mês depois fui levada para a minha casa antiga. Algumas das portas que conhecia já não estavam lá. Até mesmo algumas das cadeiras se tinham ido embora. Mas os meus pais e as minhas três grandes amigas permaneciam lá. Bem como aquela cadeira, a tal tão especial, essencial para a minha mudança. Naquele momento, não precisava de mais nada. Era eu, finalmente, e aqueles que eu amava.

O primeiro dia do resto da minha vida.

Conto isto só para que se apercebam da futilidade com que levam as vossas vidas. Não digo que seja mais ou menos corajosa que todos vocês, nem mais ou menos determinada. Mas digo, de boca cheia, que fiz o possível e o impossível para alcançar a minha felicidade e que, neste momento, apesar de todos os males que possam advir da minha decisão, eu estou de peito aberto para os receber. Pois tenho comigo e em mim aquilo que sempre quis.

1 comentário:

  1. A mudança requer, muitas vezes, uma força e um sofrimento duradouro até que se consiga sentir a felicidade em pleno... Mesmo assim, e apesar de todo esse processo muitas vezes incompreendido, o resultado vale a pena, e por isso todo o caminho é visto como um percurso vitorioso!!!
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